Esse ensaio se deu por simples acaso do vazio. Explico. Recebi o convite de um amigo para que escrevesse uma coluna na sua revista, o que orgulhosamente aceitei, é claro. Corrido o tempo, coisa alguma me inspirava a ponto preencher essas linhas. Eu não sabia sobre o que escrever. E não aceitaria discorrer sobre qualquer coisa. Mas eu queria que saísse algo. Queria estar na página da revista e ter uma foto no canto da página. E esse foi meu insight. Hoje quase não se faz mais o que se quer fazer, mas sim, o que se quer parecer. Esse é o problema. Minha ânsia por ser lido condicionou-me, a princípio, escrever o que fosse, para que apenas estivesse aqui. E situações similares estão presente em todo o lugar. Nossos políticos não querem governar, mas apenas ostentar o ilibado colarinho público cheio de regalias que os alçam à sociedade. Nossos músicos não querem mais pautar laudas com epopeias memoráveis de uma luta filosófica, ou bradar protestos que afligem a oligarquia despótica do país, por medo do ostracismo. Até mesmo na publicidade, que devoto por paixão e exerço por necessidade, isto se torna cada vez mais notório. O encanto de comunicações poéticas e lúdicas abrem espaço aos insossos petardos renhidos impostos pela soberania temida do cliente. E nosso ofício se contenta à mera vanglória derramada aos amigos em mesa de botequim e festas de premiação, que prioriza os convidados às estrelas primárias do negócio, a propaganda. Tudo são status e negócios. Não se faz amor em período sexista. Pois mais conta com quantos se dormiu do que o quanto se amou. E por ter em mim, quimera que resiste aos embates frívolos das realizações, sabe-se lá se este foi nosso primeiro ou último encontro. Mas, cada vez que acontecer, que a sensação seja de que foi único.
(Era pra sair na revista desse amigo. Não saiu...)
Goiano é vanguardista. Foi quem primeiro colocou dupla sertaneja em cima do trio elétrico e fez festival de rock com show de axé. Mas quem disse vanguarda é sinônimo de qualidade? Fica a pergunta no ar.
O fato é que foi num desses festivais de rock, ao som do axé, que aconteceu essa peculiar passagem da minha vida.
Depois de todas as peripécias típicas de uma micarê, é chegada à hora de ir embora. Uma colega de trabalho, que encontrei durante o show, apareceu do meu lado totalmente fora de órbita e perguntando se poderia ir embora comigo. Disse que sim, claro. Cortês e gentil por natureza, jamais negaria tal pedido. E até mesmo porque não tenho o direito de escolher quem entra ou não no mesmo ônibus que eu. É. Eu ia embora de busão. Não sei se ela sabia disso antes de perguntar, mas o fato foi que ela topou e fomos embora juntos.
Entram os dois gambás bêbados no ônibus e de repente o corredor se transforma na ponte do rio que cai. Coisa mais difícil do mundo é andar em corredor de ônibus em movimento. Quando sóbrio, tentava fazê-lo sem usar as mãos como apoio. Ao final do corredor, parava e ficava equilibrando, me achando o surfista prateado. Bêbado, todas as mãos parecem inúteis. Todas as quatro. Com muito sufoco chegamos ao banco alto que tem quase já no fim do ônibus.
Ela tava com tanto álcool no corpo que se eu esfregasse o seu suor em minhas mãos ia desinfetar igual álcool em gel. Enfim, ela não resistiu e caiu de cara no meu colo. Depois de já acomodada perguntou se podia. Fiz que sim com uma leve cara de “me gusta”.
Com o balanço do busão e sem o braço da poltrona pra atrapalhar, logo veio a libido despertada. Minhas próximas ações desencadearam uma série de memes.
Chequei ao redor do baú. Razoavelmente vazio. Pensei: dá pra ser.
Abri meu zíper. Puxei o amigo pra fora. Ela fez a parte dela.
Entrou um cara no ônibus e ficou olhando a cena enquanto passava na roleta. Segurei a cabeça dela pra disfarçar o movimento.
O cara passou, sentou atrás da gente e não falou nada.
Continuei só na alegria até que o ônibus parou na estação final e nós descemos.
- Posso dormir na sua casa? – Ela perguntou
- Deve! – De cara. Sou assim, direto.
- Você vai fazer amor comigo?
- ...
Fomos até a famigerada kitnet que eu habitava num funesto bairro de Goiânia.
A kit era pequena. A pia era no quarto. O fogão era no quarto. A sala era o próprio quarto. E tinha um banheiro. Incômodo, porque era tão próximo da cama, que quando ia usar, sabia que a mulher tinha percepções 3D sobre tudo que rolava lá dentro. Inclusive do cheiro.
Enfim.
Deitamos na cama e fomos pro que interessa. Tira roupa daqui e dali.
Agora, nesse momento, creio que cabe a descrição física da minha companhia. Esperei até aqui pra poder atirar tudo de uma vez e não fazer vocês sofrerem aos poucos.
Ela era branca. Braquelíssima! Com aquelas barrigas de chopp. Cabelo curto e enrolado. Dentes de serrote. Bafo. PQP que bafo! Os mamilos eram maior que o peito em si. O fim do mamilo morria no começo das axilas, que pra ajudar, tinham aqueles pelos de quem não se depila há uns 7 dias. Bunda não existia. Deve ter apanhado de remo tão forte que a bunda foi parar na barriga. Se for verdade, ela teria um bundão, porque barriga, ali tinha. Umbigo pra fora. Com pelos. O "caminho da felicidade" dela era maior que o meu.
Mas, esse é o pior, isso não era nada em relação ao mais grotesco que vi em toda minha vida. A mulher usava uns óculos de armação redonda com uma lente quadrada! Um puta fundo de garrafa quadrado encaixado numa armação redonda! Ela me explicou que quebrou o antigo e tal e ela deu uma improvisada. A mulher era, fácil, um dos bípedes esquisitas que já vi em toda a vida.
E não tirava os óculos nem para o coito. Eu estava lá, por baixo, olhando praquela cara de óculos redondo e quadrado, tentando não olhar pros mamilos, aquele sorrisão bobo de dente torto e eis que de repente...
A MINA BABA!!!
Quero acreditar que rolou um prazer legal pra ela e tal. Mas foi aterrorizante pra mim. Do nada ela manda um “ahnnnn...” e começa a escorrer uma baba da boca dela. Tipo um São Bernardo albino olhando um frango assado. Maior babão. E foi caindo sem separar. Tipo as do filho do Adam Sandler em O Paizão.
Lembro de acompanhar cada milésimo de segundo daquele fio de baba vindo em direção ao meu peito. Larguei um Arrrrrhg!!! E deu um empurrão de lado na mulher. Parada meio Timberlake em Segundas Intenções.
Tá certo que não devemos cobiçar
a mulher do próximo. Mas deveria existir um sistema de aviso quando este
estivesse próximo. Infelizmente tal artefato não existe e por isso se deu a
peripécia que segue.
Eu era estagiário. Ela era
também. Mal nos falávamos. Tínhamos uma amiga em comum. Outra estagiária. (Imagina
o nível de credibilidade desse departamento.) Toda essa trupe juntas
trabalhando na mesma faculdade em que estudavam. Ou pelo menos frequentavam.
De repente na proteção de tela do
seu computador não tinha mais a foto do sujeito. O porta-retrato também
desapareceu. Assim como as ligações durante o expediente. E alguns dias
seguidos, um bilhete chega até mim.
“Quero você. Nem adianta dizer
não. Sempre consigo o que eu quero.”
Era isso ou quase isso. Não
lembro bem. Mas era pretensioso.
- Dááánilo. Sabe quem deixou o
bilhetinho pra você?
- Quem foi?
-Trabalha do meu lado...
-Ela? Vish. Terminou o namoro?
-Uai menino. Terminou, parece,
né?
-Ela é maior que eu.
Não gosto de mulheres maiores que
eu. O que me limita muito, uma vez que não me caracterizo pelo fenótipo de um
jogador de basquete. A virilidade desaparece no exato momento em que o homem
levanta a cabeça pra beijar. Na ponta do
pé, então, os pelos até caem do corpo.
-Nem é. É do seu tamanho. Ai
Dánilo, larga de ser bobo.
-Sei não.
-Bom, conversa com ela depois
daqui.
-É...
Daqui, podemos dar um passo maior
pro que realmente interessa. Nós ficamos. Descobri, afinal, que ela não era
maior que eu. Era quase. Tínhamos um acordo que se ela aparecesse de salto
significava que não rolaria no dia. De rasteira, aí tinha. E assim foi por um
curto período de tempo.
Numa certa noite, estávamos
sentados num bloco de concreto da praça da faculdade. Beijinho pra lá e coisa e
tal, aparece um sujeito moreno, pequeno e com cara de corinthiano – aqueles bigodinhos
de porteiro, sabem?
-Bonito...
- Ué, é amigo seu esse... CATABLAUM!!!!!
Não sei se usei a melhor onomatopéia.
Não sei nem mesmo como reproduzir o estrondo que foi o murro que o maior anão
do mundo – ou menor gigante – me acertou no meio da boca.
Devo ter voado igual a um Power
Ranger depois da pancada. Caio já na grama da praça e me levanto, segurando com
a mão um pedaço da boca que estava quase caindo.
-Tá maluco, fera? Quem é você?
-Tu gosta de pegar mulher dos
outros é? Vem acertar aqui agora.
Olhei pra ela. Ela fez cara de
poodle com medo do barulho de foguete. Olhei pra ele. Tava naqueles movimentos
de estufar o peito e abrir os braços. Queria, de fato, um embate.
-Vem, mano.
-Não. (Com classe. Garbo e
elegância. Claro que dificultado pela boca pendurada.)
-Vem, mano!!
- Por que não me chamou antes de
me acertar? Cuida da sua mulher.
E fui pro rumo da saída da
faculdade pra arrumar um jeito de ir pro hospital arrumar a boca. Nisso, ele
subiu de carona em cima de uma Honda Today (olha o nível) e sumiu também.
Chegou meu amigo mais Muay Thai
da sala seguido de uma galera.
- Ae! Vamos atrás do caboco ou
pro hospital? Tu que decide.
- Hospital. – Talvez tivesse sido
melhor ir atrás do cara, se soubesse o que me esperava.
...
Sempre tive plano de saúde, mas
como não poderia deixar de ser, nesse dia, nessa hora e nesse único momento em
que precisei usá-lo com urgência, não tinha minha carteirinha em mão. Estava
com meu pai na cidade dele. Fomos pro HUGO.
Cegando lá, aquele cenário. Nego
tostado e picado por todo o lugar. Tenso. Muito tenso. Lembro de um velhinho
que pra colocar o dedo no lugar ia precisar de mais pontos que pra passar na
faculdade de medicina. Comecei a ajudar o povo e ceder meu lugar pra esses
moribundos.
Chegada minha vez, entro na sala,
um velho e vários novos. Emergentes! Oh merda. – pensei.
Me deitam na cama e começam a
aplicar seringa em tudo que é canto da boca enquanto o velho diz: “Não! Aí não.
Não sabe até hoje?” ou “Pega a agulha
certa rapaz. Claro que não é essa.”
...
No outro dia, na faculdade.
-E aí? Que que deu?
-8 pontos e um bando de retardado
me usando de cobaia.
-Foda... Geral falando da parada
de ontem.
-Merda hein?
-Sabia que o cara tinha fotos sua
com ela e foi até a casa dos pais delas mostrar?
-Puta que pariu. Parada roubada.
-Tenso... Tá puto?
- Claro que estou. Nossa festa é sexta
agora. Como vou conseguir pegar alguém com esses pontos na boca?
Álcool é como professor de matemática. Quando resolve algum
problema, logo manda outro. Nesse dia mandou um que nem aluno do ITA
resolveria.
Estava eu numa casa sertaneja de Aparecida de Goiânia – não gosto
de sertanejo mesmo, mas às vezes é a única opção para sair aqui – que não se
situa no lugar mais tranquilo da cidade. A tequila, mais barata que conheço,
estava descendo como água e de repente o uísque surgiu também.
Logo já estava mais rico que o Eike Batista, mais bonito que
o Brad Pitt e mais forte que o Anderson Silva. Álcool vai, álcool vem, meus
primos resolvem ir embora. Menos um, que estava desmaiado na mesa e “resolveu”
ficar.
- Eu cuido dele, falei. - E quem cuida de mim? Deveria ter
pensado. Não pensei.
Ele era minha carona, e como estava desmaiado, ia levar um
tempo para acordar. Fui pra pista beber mais. (Pra que?)
Bebi todo o uísque. Cowboy mesmo. Ao maior estilo garoto
Marlboro.
Bateu. Nó!
Tentei algumas investidas, mas mas o mulheril não pregou pela reciprocidade. Assumi a derrota. Fui então, já trocando as pernas, atrás do meu primo. E CADÊ O
VIADO?
Sumiu. Simplesmente não estava mais na mesa.
Aí entra em cena o desespero de procurar o rapaz e o momento
em que a “nésia” aparece pra me dar oi...
Corta a cena.
Estou de frente a um monstro de terno e gravata que está
usando minha cara como saco de pancada. Lembro disso. E de ter entregue a
carteira e celular em algum balcão pra fazer o Hulk de preto parar.
Devo estar saindo de um puteiro sem pagar, pensei. Puteiro é
foda. Como eu vim parar nesse puteiro?
Sou expulso do suposto puteiro, que somente no outro dia
descubro que era o mesmo lugar sertanejo que eu estava antes, e começo a vagar
pela rua.
Fudeu! Sem celular, sem carteira, sangrando e vagando na
madrugada pelos becos de uma cidade famosa não por sua segurança e civilidade.
Desde a popularização do celular que eu não gravo número
nenhum. Pra que gastar HD à toa? Por acaso sabia um único número de cabeça. Meu
primo. Liguei pra ele, à cobrar. Ele atendeu e desligou na minha cara. Liguei
de novo. Ele desligou. Liguei mais uma vez e já deu direto na caixa de
mensagem. Desligou o celular. Outro viado.
O desespero aumentou. Tentei manter a calma. Não consegui.
Decidi procurar pela casa de outro primo que morava na redondeza. O irmão do
que desligou o celular. Na verdade ele morava a uns 200 metros do local, mas,
bêbado, andei por mais de 2 horas sem conseguir encontrar nada. Estava
cambaleando. Cansado. E a cada orelhão que passava eu ligava pro meu primo e
caía na caixa de mensagem.
Comecei a andar pela inércia. Nem sabia mais aonde estava
indo. Só ia. E ligava.
Abriu o comércio. Era sábado. Passei a noite vagando como um
indigente. Tenso.
Cheguei a uma loja de colchão, entrei como se nada de
estranho e anormal estivesse acontecendo e falei ao vendedor:
- Bom dia. Por acaso o senhor tem algum D-33 da Ortobom?
Ele me olhou de cima a baixo, não comentou nada e me mostrou
o colchão.
- Hum, parece ser bom. Vou testá-lo aqui rapidamente - Disse
com todo o garbo e elegância.
E deitei no colchão pra dar uma cochilada. Meus pés estavam
me matando. O resto já havia morrido. Não sei por quanto tempo durei deitado.
Sei que acordei, agradeci ao vendedor e disse que ainda ia dar uma pesquisada
por aí.
Voltei a andar. E ligar. Por horas.
E nada.
Me entreguei.
Parei na frente dum bar e sentei ao pé do orelhão. Durmi.
Logo depois, uma buzinada me acorda. Era meu primo.
- Como você me achou?
-Liguei pro número que apareceu na bina e perguntei se eles
viram um bêbado usando o orelhão. E eles viram.
(Nota: Pela riqueza cultural e dimensões continentais do nosso grande Brasil, temos, espalhados por todo o território nacional, diversos dialetos. Em alguns lugares eles consistem em trocar o “V” pelo “R”. “rumbora!”, “Ra li fudê” ou “tárra adoentado”.)
(Nota 2: Por outras razões que desconheço, existe, em alguns lugares do mesmo Brasilzão, a mania de particionar um inteiro. Logo, “nós dois” vira “ce mais eu” e “nós quatro” vira “ceis mais nóis”. )
- Vamos! Falei. – Agora? Reiterei, um tanto trêmulo.
-É uai! Vem pra cá aqui ó. - E Bateu na manilha de cimento em frente à porta de sua casa, a qual ficava sentada várias horas quase todo dia.
Fui. Perna estava meio bamba. A barriga, subiu aquele frio. O rosto latejante tentava firmar o sorriso e esconder o pânico. Cheguei ao lado dela.
-E aí?
-Agora nóis beija, uai.
E veio. Me beijou. Fui condescendente. Não posso negar que existia muito de minha curiosidade para isso. Mas, apesar de não estar ainda familiarizado com o assunto, gostei.
E assim foi meu primeiro beijo. Romântico, não?
Ah! Eu falei que eu tinha 11 anos? E ela 17? Coincidentemente acho que era o mesmo tanto de dentes que ela tinha na boca. Não me importei com isso na hora e continuei a curtir o momento.
Nisso, abrimos um pequeno espaço para uma história apendicular.
Nesse mesmo período minha mãe tinha aberto uma locadora de vídeo. Look Vídeo. E de todos os catálogos disponíveis, fui de cara consultar o de entretenimento adulto. Enchi o saco da minha mãe até que ela deixou. Lembro que meu primeiro pornô foi um filme de 2 horas com lésbicas usando dildos de proporções titânicas - Na época da VHS não tinha essa de ficar acelerando o filme, não. Vi tudo. Completo. Tinha um consolo lá que parecia uma Pet de Coca e lembro de ter pensado “- Será que chego a esse tamanho?” Se cheguei ou não, fica a dúvida no ar.
O ponto é que antes do meu primeiro beijo, já era eu um assíduo expectador da arte libertina.
Voltemos.
Curtindo o momento, consultei mentalmente o que já havia visto nos filmes e não hesitei, parti pra segunda base. E ela deixou.
Levantamos-nos da manilha e fomos para dentro de sua casa. Na sala. Ela sentou na poltrona, eu me aconcheguei no seu colo. Não! Ela não era gorda como a da história anterior. Eu é que era minúsculamente pequeno, com dito em outra história anterior.
Amasso vai, amasso vem, beijo aqui e acolá, foi tudo muito bom e tudo muito bem. Mas o pai dela chegou.
Fudeu! O cara era pastor da igreja, mais bravo que o Seu Lunga e mais forte que o pai do Cris, de Todo Mundo Odeia o Cris.
- Cê tem que sair agora!
- Como? Eu não vou topar com o seu pai. Tá doida?
- Pula o muro!
Claro que eu pularia. Aos 11, não havia um muro ou árvore que eu não subisse. Caí no lote vizinho, cheio de mato e carrapicho. Dei a volta no quarteirão e voltei pra casa. Ela era quase minha vizinha de frente. Minutos depois, ficamos nos olhando. Eu pela janela e ela pela manilha.
Passei de primeiro beijo para segunda base e fuga de sogro no mesmo dia. Começou bem. Ou não.
O fato é que essa história ainda continuou por uns bons dias. Ainda chamei alguns amigos e ela uma amiga dela – que divertiu uns três guris. Poderia ter sido também a primeira suruba, mas ficamos só nos beijos e amassos.
Foi bom enquanto durou. Se fosse hoje, ela seria indiciada, presa e o escambau. Qual o mal de ser bolinado por uma mulher? Queria eu ter tido uma professora no colegial que me levasse pra fazer sexo após a aula. Quando foi que o mundo virou tão viadinho?
O cérebro é como a máquina de moer carne. Se entrar uma coisa, outra sai e fica aquele miolo no meio. Logo, você não consegue se lembrar de tudo.
O grande problema é quando você decide que quer esquecer alguma coisa. Daí você não para de lembrar-se da promessa do seu esquecimento e acaba por esquecer outra coisa que não queria, pois deu mais importância ao que você queria esquecer do que ao que você queria lembrar.
Então, lembre-se. Para esquecer, basta não lembrar. Não do conselho, mas do que se quer esquecer. Se você esquece o que quer não lembrar, logo se lembrou de esquecer e, consequentemente, não se esqueceu daquilo que você nem lembrava em pensar.
É como parar de pensar. Às vezes você quer parar de pensar. Mas se for pra parar de pensar você só pensa em parar de pensar e acaba não parando nunca. Fica só pensando naquilo. Não naquilo que você está pensando, mas em parar de pensar. Não pense besteira.
Quer saber? Esquece. Mas não fique lembrando em esquecer senão você não para de pensar.
Amigo é amigo e filho da puta é
filho da puta. E em uma noite, numa balada, Eu fui amigo para um filho da puta.
Explico.
Estávamos eu e um amigo em uma
viagem a negócios por uma dessas cidades desse Brasil de rios e Cachoeira. Como
de praxe, toda viagem a trabalho pede, por obrigação, uma balada. Pode ser numa
segunda-feira. Se sair da sua cidade a trabalho, você vai pra balada local.
Mesmo que ela seja uma festa de som automotivo dentro da boate em frente à
praça principal – Um caso que posso contar em breve.
O fato é que então fomos os dois
a procura do que fazer. Primeiro um barzinho pra dar aquela animada e logo
depois resolvemos encarar uma festa estranha com gente esquisita. Mais
esquisitos do que gente. Talvez por isso emplacamos uma garrafa de vodka.
Começamos a enxergar cada vez mais gente e menos esquisitos.
Ao final da noite meu amigo já
estava lá se atracando com uma menina que não tenho a menor ideia de quem é,
era ou será. Já eu, tinha como companhia somente o sofá preto, tosco e fedendo a fumaça e álcool que eles chamaram de
camarote. Se ao menos já fosse era dos smartsphones, poderia ter ficado
lamentando a vida no Facebook.
Quando eu já estava quase babando
no sofá ele chamou pra irmos pro hotel. Ia levar a mulher pro abate. Falei que
não tinha problemas, eu ia chegar e capotar de qualquer jeito. Não ia ouvir
nada. Entrei dentro do carro e quando ia fechar a porta, a coisa aconteceu.
(Percebam que sempre existe um
ponto de virada de qualquer coisa da minha vida que faz com que tudo o que
poderia ser absolutamente normal se torne uma história esdrúxula e
inexplicável.)
Eis que ela chegar ofegante e
toda serelepe gritando pelo nome da amiga – a que estava com meu amigo – e já
entra dentro do carro também.
Gorda.
Muito gorda. Tão gorda que
só de digitar o nome dela no Word ele já vai automaticamente em negrito. Era
mais fácil de pular que rodear, a criatura. Veio entrando no carro toda
borrachona, tipo aqueles gatos gordos que passam entre as grades e vão
arrastando o corpo pra poder passar.
- Ai, amiga, onde vocês vão? Iam
me deixar aqui? Não acredito. Olha, que loucura de festa viu? Ai nem conheço
vocês, tudo bom? Meu Deus que suadeira!
Gordo sempre sua. Gordo sua até
na piscina.
-Estamos indo pro hotel deles,
tomar uma saideira, vamos?
-Ai, vamos demais. Nossa, vocês
não são daqui? Vocês são de onde?
-Goiânia - respondi. – Como ela
arruma tempo pra comer tanto se não cala a boca? – pensei.
Nessa hora já me veio o pavor. Em
milissegundos formulei dezenas de possibilidades pra eu não ter que ficar de
papo com essa gorda enquanto meu amigo faturava a coisinha que ele pegou. Nem
era tão coisinha assim, mas devidos os parâmetros de comparação recém instaurados ela se tornou Miss Venezuela.
- Ai, prazer. Isabela. Pode me
chamar de Bela. (POR QUÊ NÃO PARA COM ESSE “AI”?)
- Danilo. Vou chamar de Isa pra
ficar menos hipócrita. – Sorri com ar de vilão. Ela não se abateu. Acho que nem
entendeu, já foi logo cutucando a amiga pra falar qualquer outra besteira que
começasse com “ai”. E eu, maquinando formas de me livrar de tudo aquilo.
Chegamos ao Hotel. Tivemos que
entrar escondido, pois senão seria cobrado adicional de pessoas no quarto. Se
cobrassem por espaço, a moça ia ser mais cara que a suíte presidencial do
Copacabana Palace.
Entramos os quatro no quarto e o
casal vinte já foi se jogando na cama pra dar uns amassassos e ficar naquele
climinha chato de “pega ela também, vai!”.
De cara já me joguei na cadeira,
fiquei de frente o computador, abri uma cerveja e o Orkut. Era Orkut na época.
A gorda deitou na minha cama. As beiradas dela começaram a escorrer pela borda
do colchão. O vestido branco não segurou os peitos e eles também escorreram
pelo lado. Cena tensa.
Passa um tempo, aquele conversê
sem razão, eu desviando de todas as investidas da loira – Falei que era loira? Só
a gordura que é referência, normalmente – e o álcool foi subindo. Mais uma vez.
Já pulou da ressaca pra liga.
Estava cansado, bêbado e o casal estava
lá do nosso lado fazendo o serviço. A gorda me chama pra cama dando três
tapinhas no colchão.
- Vem pra cá, vem.
Fui.
Não me julguem. Queria dormir,
mas o álcool desperta uma libido aqui e outra ali... sabem como é.
Não consegui entrar na cama. Não
cabia. Deitei por cima dela. Era gorda, mas era confortável. Logo em seguida
ela começa a me bolinar. Mão aqui, língua acolá e eis que a resposta instintiva
da testosterona se fez presente. Tirei minha calça e depois a calcinha dela.
Ambos tinham o mesmo tamanho. Tentamos o ato. Digo tentamos porque creio que
nem mesmo Kid Bengala chegaria lá. A distância da barriga pro local de destino
era tão grande que tinha placa de sinalização e um posto Ipiranga no caminho.
Tentamos vias superiores de
entretenimento. CARA! Eu poderia fazer uma espanhola usando minha perna e ainda
assim ela ficaria perdida no meio daqueles peitos. Que isso! Tá danado. Subiu
pra boca. Aí a coisa simulou algum sucesso, mas não passou disso. Fomos rendidos
por limitações físicas – se ela fosse menor ou eu beeeeeeem maior, talvez desse
certo.
-Ae, tive uma ideia – Falei
- O quê? – Ela perguntou
- Vamos fazer uma troca de casal
e tal. Sabe, dar uma animada nisso aqui. Alguns joguinhos.
-Ai, eu não quero não. – ela falou.
- É, ta de boa assim - meu amigo
falou. A mulher dele apenas sinalizou que não com a mão. A boca estava ocupada
embaixo do lençol.
Mas que maldição, pensei. Ocupei
novamente a boca de moçoila. Meu amigo riu. Fez aquela cara de “Tá doido que eu
vou pegar isso aí, mano? Pirou?”
Apaguei.
Acordei no outro dia em cima da
Isa, fiquei de cócoras sobre a sua barriga e a acordei. Sim, eu cabia inteiro
de cócoras sobre a barriga da dita cuja.
-Acorda, Isa. Hey vocês dois,
acordem aí também!
Estávamos atrasados e tínhamos
que ir pra outra cidade. Acelerei todos. Queria me livrar logo da Rainha Momo.
Dormir com mulher bonita e acordar com feia é normal pra quem bebe. Mas quando
vai dormir já é feia, imagina pela manhã.
Mandamos as meninas irem sozinhas
na frente porque o recepcionista do hotel não poderia nos ver juntos. Ela
foram embora. Ufa.
- Filho da puta você, sabia?
- Que isso? Pelo menos ela é
legal. – E ele riu. Viado.
- Ahan. Me deve uma. Me deve
muitas!!!
Fomos fechar a conta do hotel e
foi cobrado excedente. O funcionário do turno da noite nos viu pela câmera do
elevador. Tivemos que pagar pelas moças. Fiz meu amigo pagar. Pelo menos não
foi cobrado por espaço.
Gostar de alguém é fácil, difícil é andar de moto sem estragar o penteado. E eu, cego que não sou, tive meu amores á primeira vista. Um deles deu o que falar na família.
Entrei no supermercado e de cara já há vi. Parada em frente à pirâmide de bolachas Mabel doando sorrisos a qualquer infeliz que demonstrasse interesse ou na bolacha ou nela. Ossos do ofício.
Impossível não se apaixonar. Covinha, corpinho na medida e dois fiapos de franjinha dos lisos cabelos castanhos claros caindo nas laterais do rosto. Meu irmão, eu tenho uma tara do caralho com esses fiapos. A mulher me derruba na hora.
Eu sempre fui mané com mulheres. O que é algo bem normal para alguém que era menor que a média, franzino, com um fundo de garrafa de 7 graus e cabelo de índio (Já tive o apelido de Uerê, o índio da novela Rei do Gado). Mas com ela eu tinha que fazer algo. Afinal, não devia ser tão esperta, se fosse teria trabalho melhor que sorrir ao lado de bolachas.
Descobri depois, que ela era vizinha da mãe da mulher do meu pai e, logo, eu era presença cativa nos almoços do domingo na casa da sogra. Até aí tudo bem.
Eis que de repente descubro que vai rolar uma excursão prum show do Bruno e Marrone na cidade de Caldas Novas e ela queria ir, mas não podia ir só.
-Eu vou também. Quero demais ver esse show.
Eu abomino sertanejo! Eu repudio Bruno e Marrone. Mas como a oportunidade é uma mulher pelada e careca com corpo cheio de óleo e trança na testa, agarrei firme sem deixar passar.
Ela sorriu e gostou de saber que ia ver seus ídolos no reduto de água quente. Sorriu pra mim. Me desmontou tal como um chute num castelo de Lego. Cogitei gostar de sertanejo...
Pensa um nervoso. Dia da excursão, saída no fim da tarde, todos ao redor do ônibus, eu suando mais que gordo comendo feijoada na Lapa e ela chega. Já começo as mirabolantes estratégias pra poder sentar ao lado dela dentro do ônibus. Não confiava no meu taco e pra ela sentar com outro cara era daqui pra ali.
Ofereci pra guardar sua mala no maleiro e isso me fez escolher onde ela ia sentar. Sentei ao seu lado logo depois de guardar a mala. Fase um, ok. Agora, era curtir uma viagenzinha tranquila, sem fazer nenhuma burrada até o show e aproveitar a vulnerabilidade melodramadrámtica sonoro-cornístico que o gênero rural desperta nas pessoas para dar o bote certeiro.
Mas, eu? Não fazer burrada? Impossível. E de cara, no primeiro assunto já mandei:
- Sabe, nem ia falar isso agora, mas você é tão linda que nem consigo esperar. Quero ficar com você. Aqui e no show.
Pra que? Como assim? Como eu posso ser, sem ajuda de ninguém, o cara que mais ferra comigo mesmo? Cara, se eu falasse isso em frente ao espelho ia levar um fora do reflexo.
- Olha, acho que a gente deve ser só amigo mesmo.
A gente nem era amigo. Ela nunca tinha falado comigo antes de subir no busão. E agora, não ia querer falar de novo quanto descesse.
Não bastasse o clima tenso que ficou a viagem toda, ao chegar, o ônibus parou e ela sumiu com a galera. Liguei o foda-se, e como bom ouvinte de sertanejo, fui curar a dor desse mal de amor no álcool. Era novo, mas já tinhas meus vícios.
Enchi a cara sei lá onde, enquanto ouvia no fundo o show da dupla do inferno.
“Te amei demais
Você nem viu
E eu chorei, chorei”
Acabou o show e eu tinha que voltar pro lugar de encontro pra voltar pra segunda sessão da minha humilhação. Mas daí, amigo, o mundo prova de que tudo que é ruim pode piorar. E comigo isso não é exceção. É regra.
Eu não tinha a menor ideia onde estava o ônibus. Mas a menor mesmo! Comecei a vagar pela cidade, perguntando pra galera da rua onde tava o ônibus do Bruno e Marrone. Chapado! Ninguém levou a sério. E eu ia desesperando. E vagando pela rua ainda cheguei, inocente, a pensar:
- Ela vai ficar puta comigo por tê-la feito esperar por mim. O que nunca seria, agora já era.
E andando e vagando aparece um ônibus que tinha acabado de sair com um cara gritando na porta:
- É ele ali ó! Ó o maluco que sumiu ali. É ele mesmo?
Parou do meu lado.
- Você que veio com a gente de Catalão?
-Foi. – Falei e entrei no ônibus.
TODOS me olhando com aquela cara. Nem a bruxinha Matilde recebeu tanto olhar discriminador. Se na época bullying fosse polêmico, eu teria dado entrevista no fantástico.
Continuei andando pelo corredor e vi que o lugar dela estava vago. Havia se sentado com um outro qualquer lá que não sei quem era. Fui na volta sentado sozinho. Se isso fosse um filme, nessa hora ia chover e trovejar. Muito.
Chegando no ponto de volta, desço do ônibus e quando estou indo embora, arrastando minha depressão, a ouço chamar por mim.
- Hey. Heim. Então. Você tem que me acompanhar até em casa. Minha mãe falou que tinha que te ver quando a gente voltasse.
O clube sempre foi um lugar honesto para investidas. As meninas, de biquíni, não dão falsas expectativas criadas pelas roupas justas e coladas que levantam e enrijecem partes do corpo já afetadas pela gravidade e outras leis. O jogo é limpo.
Nessa crença, fiz minha bem-sucedida abordagem no lugar em questão e logrei êxito ao marcar de sair à noite com a gata da beira da piscina que exibia uma tatuagem tribal que ia do meio da cintura até metade da coxa direita, cortada apenas por um minúsculo fio de biquíni.
...
Então eis que eu estava animado. Não teria surpresas. Já havia feito a análise. Ela era do tipo atleta. Sarada, bronzeada, tatuada, óculos escuros esportivo, cabelo liso e preto preso com rabo de cavalo e ainda tinha um bom papo. Sucesso total. Parado na porta da casa dela, mandei o Halls de melancia pra dentro da boca e passei o torpedo. “Na porta.” – Sou direto e objetivo, assim como o ataque do São Paulo.
Ela não respondeu. Pouco tempo depois saiu de casa e veio caminhando rumo ao carro. Vestido decotado, daqueles de pano molinho que eu não sei o nome, mas que ficam esvoaçantes e marcam a calcinha, seja ela do tamanho que for. Em tempo, ela não estava marcando nada. Oh, glória.
Abriu a porta do carro, foi entrando e cumprimentando com um oi enquanto aproximava o rosto do meu para os tradicionais beijinhos e UAAAAAAAAAAU!!! Mákiporréssa?
Que que é isso, mano! Não dava pra acreditar. Era tenso. Muito tenso. Malditos óculos escuros!
A mina (nesse momento ela migrou de gata para mina) era vesga. Vesga não, vesgaça! O Luan Santana recolhia sua insignificância estrábica perto dela. Era mais vesga que o gambá que bombou na internet ano passado.
E o pior. Era vesga pra fora. Era mais fácil ela conseguir juntar os olhos nas orelhas do que no nariz. Por que assim, a vesga pra dentro, não é legal, mas não é a pior coisa que tem. Veja o eterno exemplo da Cristiana Oliveira, que ficou famosa por sua leve empenada no olhar. De certa forma, pode ser até meio “cuti”.
Mas pra fora? Pra fora é foda, amigo. Se o sujeito não tiver queixo e for dentuço, fica parecendo o Cid, a preguiça da Era do Gelo. Pra fora rola aflição. Um olho no gato, outro no peixe. A gente nunca sabe pra que olho olhar, qual dos dois estão mirando o que se quer ver.
Mas ok. Continuando.
Numa atuação digna de Oscar, fingi total indiferença praquilo, camuflei o arrependimento e fortaleci o “então, pra onde vamos?”. Torci pra que ela respondesse algo como um cinema 3D e assim tratava de botar novamente uns óculos naquela cara, mas ela sugeriu comermos alguma coisa, algum barzinho.
Pensei: ficar sentado de frente olhando pra esses olhos de lado? Danosse! Eu ia ter que sentar ao lado dela, assim, olhava só pra um olho e tentava abstrair pra onde o outro estaria olhando. Que situação!
Durante a conversa no bar, mais momentos constrangedores. Nas vezes que eu fazia algum comentário mais picante, ela abaixava a cabeça, envergonhada, mas os olhos miravam no alto e à direita, típico de olhar de dúvida. Ela ia dar uma garfada na comida, mas parecia que estava secando a minha. E toda hora que ela me olhava – ou tentava olhar– nos olhos eu olhava pra trás procurando o que ou quem ela supostamente tinha visto passar.
A maré não estava pra peixe. Não deu liga. A banda não tocou. Então, barriga cheia, simulei o bom e velho “sono bateu” e sugeri que fôssemos embora. Ela me olhou torto, mas aceitou. Na volta, mais silêncio que conversa. Liguei o som - Tocou Chico. “Olhos nos olhos, quero ver o que você faz”. Brincadeira gente. - Tocou uma música pop qualquer. Estava na rádio Interativa.
Paramos na porta da casa dela. Despedimo-nos, dois beijinhos, ela desceu e caminhou rumo à porta. Eu segui. Fui embora sem olhar pra trás. Um olho pra frente. O outro também.