Tá certo que não devemos cobiçar
a mulher do próximo. Mas deveria existir um sistema de aviso quando este
estivesse próximo. Infelizmente tal artefato não existe e por isso se deu a
peripécia que segue.
Eu era estagiário. Ela era
também. Mal nos falávamos. Tínhamos uma amiga em comum. Outra estagiária. (Imagina
o nível de credibilidade desse departamento.) Toda essa trupe juntas
trabalhando na mesma faculdade em que estudavam. Ou pelo menos frequentavam.
De repente na proteção de tela do
seu computador não tinha mais a foto do sujeito. O porta-retrato também
desapareceu. Assim como as ligações durante o expediente. E alguns dias
seguidos, um bilhete chega até mim.
“Quero você. Nem adianta dizer
não. Sempre consigo o que eu quero.”
Era isso ou quase isso. Não
lembro bem. Mas era pretensioso.
- Dááánilo. Sabe quem deixou o
bilhetinho pra você?
- Quem foi?
-Trabalha do meu lado...
-Ela? Vish. Terminou o namoro?
-Uai menino. Terminou, parece,
né?
-Ela é maior que eu.
Não gosto de mulheres maiores que
eu. O que me limita muito, uma vez que não me caracterizo pelo fenótipo de um
jogador de basquete. A virilidade desaparece no exato momento em que o homem
levanta a cabeça pra beijar. Na ponta do
pé, então, os pelos até caem do corpo.
-Nem é. É do seu tamanho. Ai
Dánilo, larga de ser bobo.
-Sei não.
-Bom, conversa com ela depois
daqui.
-É...
Daqui, podemos dar um passo maior
pro que realmente interessa. Nós ficamos. Descobri, afinal, que ela não era
maior que eu. Era quase. Tínhamos um acordo que se ela aparecesse de salto
significava que não rolaria no dia. De rasteira, aí tinha. E assim foi por um
curto período de tempo.
Numa certa noite, estávamos
sentados num bloco de concreto da praça da faculdade. Beijinho pra lá e coisa e
tal, aparece um sujeito moreno, pequeno e com cara de corinthiano – aqueles bigodinhos
de porteiro, sabem?
-Bonito...
- Ué, é amigo seu esse... CATABLAUM!!!!!
Não sei se usei a melhor onomatopéia.
Não sei nem mesmo como reproduzir o estrondo que foi o murro que o maior anão
do mundo – ou menor gigante – me acertou no meio da boca.
Devo ter voado igual a um Power
Ranger depois da pancada. Caio já na grama da praça e me levanto, segurando com
a mão um pedaço da boca que estava quase caindo.
-Tá maluco, fera? Quem é você?
-Tu gosta de pegar mulher dos
outros é? Vem acertar aqui agora.
Olhei pra ela. Ela fez cara de
poodle com medo do barulho de foguete. Olhei pra ele. Tava naqueles movimentos
de estufar o peito e abrir os braços. Queria, de fato, um embate.
-Vem, mano.
-Não. (Com classe. Garbo e
elegância. Claro que dificultado pela boca pendurada.)
-Vem, mano!!
- Por que não me chamou antes de
me acertar? Cuida da sua mulher.
E fui pro rumo da saída da
faculdade pra arrumar um jeito de ir pro hospital arrumar a boca. Nisso, ele
subiu de carona em cima de uma Honda Today (olha o nível) e sumiu também.
Chegou meu amigo mais Muay Thai
da sala seguido de uma galera.
- Ae! Vamos atrás do caboco ou
pro hospital? Tu que decide.
- Hospital. – Talvez tivesse sido
melhor ir atrás do cara, se soubesse o que me esperava.
...
Sempre tive plano de saúde, mas
como não poderia deixar de ser, nesse dia, nessa hora e nesse único momento em
que precisei usá-lo com urgência, não tinha minha carteirinha em mão. Estava
com meu pai na cidade dele. Fomos pro HUGO.
Cegando lá, aquele cenário. Nego
tostado e picado por todo o lugar. Tenso. Muito tenso. Lembro de um velhinho
que pra colocar o dedo no lugar ia precisar de mais pontos que pra passar na
faculdade de medicina. Comecei a ajudar o povo e ceder meu lugar pra esses
moribundos.
Chegada minha vez, entro na sala,
um velho e vários novos. Emergentes! Oh merda. – pensei.
Me deitam na cama e começam a
aplicar seringa em tudo que é canto da boca enquanto o velho diz: “Não! Aí não.
Não sabe até hoje?” ou “Pega a agulha
certa rapaz. Claro que não é essa.”
...
No outro dia, na faculdade.
-E aí? Que que deu?
-8 pontos e um bando de retardado
me usando de cobaia.
-Foda... Geral falando da parada
de ontem.
-Merda hein?
-Sabia que o cara tinha fotos sua
com ela e foi até a casa dos pais delas mostrar?
-Puta que pariu. Parada roubada.
-Tenso... Tá puto?
- Claro que estou. Nossa festa é sexta
agora. Como vou conseguir pegar alguém com esses pontos na boca?